Com objetivo de debater as possibilidades de implantar a tarifa zero no sistema de transporte coletivo, a Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) realizou audiência pública nesta terça-feira (13). O evento foi conduzido pelo deputado Max Maciel (Psol), presidente da Comissão de Transporte e Mobilidade Urbana (CTMU).
O deputado afirmou que são mais de 70 cidades que já implementam a tarifa zero no Brasil e explicou os objetivos do encontro.
“Não queremos saber nem como, apenas quando vamos implementar o Tarifa Zero. Hoje temos um “pré” tarifa zero com uma parcela da população [que é atingida] como as pessoas com deficiência (PcD), a melhor idade, os estudantes, que já adquiriram o direito de acessar o transporte, ainda não em sua plenitude, mas é um caminho. Pelos nossos dados, temos um sistema que já implementa um custo de subsídio do Estado de 70% e ainda assim temos uma tarifa relativamente alta, em relação a grandes capitais, que não têm a tarifa técnica. Estamos aqui para buscar caminhos são necessários para a gente unir essa grande região metropolitana com a região do entorno e avançar para um DF 100% tarifa zero”, disse Max.
O distrital ainda falou sobre o trabalho da CTMU.
“Criamos a subcomissão Tarifa Zero pela Comissão de Transporte e Mobilidade Urbana e temos feito um apanhado nacional e internacional dos caminhos que são necessários para atingir a tarifa zero no DF e entorno. E talvez sermos a primeira capital de um país com cem por cento tarifa zero e isso é possível. O que precisamos é discutir fontes de financiamento e formas progressivas. O transporte público é um direito social constitucional”, declarou Max.
Empresa pública
Um dos exemplos trazidos durante a audiência pública foi a cidade de Maricá (RJ), a que transporta o maior número de passageiros em tarifa zero no país. A informação é do presidente da Empresa Pública de Transporte de Maricá (RJ) (EPT), Celso Haddad. Na cidade, o transporte é operado pela empresa estatal. Em 2016 eram 3 linhas e neste ano, já são 39 linhas.
“Não existe empresa privada que faz o transporte municipal de passageiros. Hoje são 1330 viagens por dia e temos mais de 3,5 milhões de deslocamento de pessoas por mês. Anteriormente, cerca de 20% da renda familiar era gasta com transporte. Em 2022, a população de Maricá deixou de pagar em passagens de ônibus R$ 161,8 milhões” informou Celso.
Ele também falou sobre a importância da participação dos usuários na gestão do transporte.
“Nossa ouvidoria é o cerne do atendimento do transporte. É onde a gente recebe as sugestões, reclamações e indicações. Tudo passa por esse filtro do que seria melhor para as pessoas em cada bairro ou distrito. Em 2022 foram 1856 solicitações resolvidas. A demanda é trazida pelo povo e a empresa faz estudos e implementa para que o serviço seja melhorado”, contou Celso Haddad, acrescentando que as bicicletas também são modal de transporte no tarifa zero.
“As vermelhinhas estão disponíveis a um clique. São 25 estações, somando 250 bicicletas, com mais de 100 mil usuários cadastrados. Ainda é um projeto e vamos aumentar para 70 estações e 700 bicicletas. O projeto [das vermelhinhas] tem hoje um custo mensal de R$200 mil e os ônibus, em um quantitativo de 100 unidades locadas e com mão de obra, tem custo entre R$ 10 milhões e R$12 milhões mensais. São repassados à EPT cerca de 3% do orçamento do município, com recursos vindos dos royalties de petróleo do pré-sal”, concluiu Celso.
Curitiba
A capital paranaense é famosa pelo seu sistema de transporte coletivo. Segundo o especialista em Mobilidade Urbana e Transporte Coletivo, membro do Conselho da Cidade de Curitiba (CONCITIBA), Lafaiete Santos Neves, Curitiba não pode ser tomada como um exemplo sem defeitos.
“É uma cidade com 1,8 milhões de habitantes, com a tarifa mais cara do Brasil e parece que a questão da tarifa zero passa longe. É uma questão séria. Os grandes interessados hoje na tarifa zero são os empresários. Esse é um ponto que precisamos anotar no caderninho. Em toda profunda crise do capitalismo, se socializa o prejuízo. Curitiba é modelo em tecnologia, mas não em preço. Os trabalhadores estão abandonando o transporte porque está superfaturado o preço da tarifa. Se quisermos ser honestos, temos que abandonar o sistema atual. Tarifa zero sim, mas IPK (Índice de passageiros transportados por quilômetro) não. Vamos ao custo real mais o lucro de 11% líquido. Mas o ganho real está nos insumos que usam e a gente não consegue descobrir quanto custam” defendeu Lafaiete.
Ele informou ainda que não há controle sobre o que realmente é gasto em combustível pelas empresas. Outro problema apontado por ele em relação ao controle é que a contabilidade das empresas de transporte não é exclusiva da operação, mas de toda a empresa ou do conglomerado empresarial.
Passe livre
A representante do Movimento Passe Livre, Leila Saraiva, discorreu sobre a realidade do DF.
“No contexto do DF, uma cidade pensada e planejada para deixar uma certa parcela da população longe do centro, onde os ônibus sempre pararam de circular a partir das 22h porque era para o trabalhador ir e voltar do trabalho e não para ele aproveitar dos lazeres da cidade ou encontrar os amigos. Vemos isso refletido inclusive na forma como as linhas de ônibus se organizam no DF. Temos linha entre Ceilândia e Plano Piloto. Mas não se encontra uma linha entre Ceilândia e Riacho Fundo. Ou seja, o transporte se organiza não só pela cobrança da tarifa, mas uma cidade que é feita pela e para a catraca e não para as pessoas. É o contrário da nossa proposta”, declarou Leila.
A antropóloga também falou sobre como a tarifa zero deve ser construída.
“A disputa que está posta agora, quando a tarifa zero se torna uma política pública, é saber para quem e de que forma ela será construída porque a disputa é manter as forças do empresariado agora recebendo recursos públicos, ao invés de receber diretamente da população. A tarifa zero precisa ser pensada não para garantir os lucros dos empresários de transporte, mas deve ser pensada para priorizar e garantir o acesso e o direito à cidade. O transporte deve ser gerido pelas pessoas que utilizam o transporte coletivo. Enfim, precisamos pensar uma tarifa zero no DF que não seja simplesmente uma transferência de recurso público para o bolso do mesmo empresariado de antes e que inclua a possibilidade de as pessoas efetivamente gerirem o transporte, pensando junto qual é a melhor linha, para onde que ela vai e como se organiza. Tudo por meio de uma estrutura de gestão e participação popular do transporte”, afirmou Leila Saraiva.
Entorno
A secretária do Entorno do Distrito Federal, Carol Fleury trouxe dados de população e mobilidade sobre as cidades que fazem fronteira com o DF.
“Estamos falando de uma região metropolitana que engloba 12 municípios limítrofes a Brasília e com uma população de 1,5 milhão de habitantes, que se soma aos 3 milhões de habitantes do DF. E quando falamos de Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal (RIDE), são 3 milhões de habitantes, praticamente a metade da população do Estado de Goiás, que tem 7,5 milhões. Apenas desses [municípios] limítrofes, temos a mobilidade de 174 mil pessoas diariamente saindo dessas cidades e vindo para Brasília. Quando se inclui toda a RIDE, [esse número] chega a 224 mil habitantes”, contou Carol.
Sobre transporte e mobilidade, a secretária defendeu a necessidade de integração e a viabilidade da tarifa zero.
“Quando estamos falando do transporte, a questão fundamental é que precisamos integrar tudo isso. Para que isso funcione, vamos ter que pensar as cidades inteligentes. Então estamos falando de bicicleta, de extensão de BRT de Santa Maria para Luziânia e também de metrô na Samambaia, além de levá-lo para o lado norte porque só assim vamos conseguir integrar Formosa e Planaltina de Goiás, que tem a passagem mais cara do entorno (R$10,50). A tarifa zero tem se mostrado que é o futuro e precisamos trabalhar nisso de forma responsável”, concluiu Fleury.
No mesmo sentido, o deputado Max Maciel sugeriu que os estudos sejam incluídos na subcomissão Tarifa Zero.
“Nos colocamos à disposição para criar na subcomissão esse grupo de trabalho técnico, envolvendo a Secretaria do Entorno para pensarmos juntos. O BRT norte custa R$1,2 bilhões. É a estimativa para ir até Sobradinho, a primeira etapa. Ainda falta a etapa Planaltina. E a terceira faixa, salvo engano, está com custo de R$ 150 milhões”, disse o distrital.
Luziânia
O secretário municipal de Cultura e Juventude de Luziânia (GO), Gabriel Fidelis disse que o município já está avançando na questão.
“Provavelmente para esse ano já teremos algumas linhas que serão tarifa zero. Ao mesmo tempo, vamos construindo alternativas para o passe livre. Temos universidades no município que já estamos atendendo através do programa Caminho da Escola [do governo federal] o transporte dos estudantes universitários do período noturno”, disse Gabriel.
Ele também defendeu a necessidade de avançar no transporte entre as cidades do entorno do DF e não apenas para Brasília.
“Precisamos falar como é sair de Luziânia e ir para Valparaíso ou Cidade Ociental ou Novo Gama. Além disso, a cada aumento de passagem há uma leva de desemprego na região do entorno e de estudantes que deixam de estudar. Estamos falando de R$334 por mês para o estudante vir para o DF e estudar. O fato de não haver o passe livre para a região do entorno, custa mais caro para o DF do que se houvesse”, falou o secretário.
ANTT
A gerente de Operacional de Transporte de Passageiros da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Juliana Esteves, trouxe dados sobre os impactos do trabalho da agência na mobilidade do DF.
“Hoje a ANTT regula e fiscaliza 16 serviços e o mais importante é do DF e entorno. São 7 empresas, que representam 39 linhas e 464 itinerários. Reassumimos o serviço desde fevereiro e já voltamos a realizar estudos para a outorga dos serviços. Isso será um dos grandes fatores para facilitar toda a questão tarifária para implementação de gratuidades ou tarifa zero. Temos que levar em consideração que os serviços do entorno não possuem qualquer tipo de subsídio. A tarifa é zero, mas tem custo e alguém paga a conta. Se quer implementar, tem que discutir de onde vem esse custeio”, disse Juliana.
Custo
O secretário de Estado de Transporte e Mobilidade do Distrito Federal, Flávio Murilo, defendeu a necessidade de participação da União no processo.
“Como a União é o primo rico, se não for através desse sistema único de transporte, não conseguimos chegar a essa meta da tarifa zero universal. O GDF vem implementando pouco a pouco. Desde 2013, quando foi implementada, tínhamos em torno de 30% de subsídio e hoje são cerca de 70%. O grande problema é custo. E antes de pensar em tarifa zero, a integração com o entorno tem que estar resolvida. O GDF tem pensado nisso, não enxergamos como uma coisa utópica. É uma coisa verdadeira e está próxima, mas tem que ser muito bem pensada”, afirmou Flávio.
Por fim, o deputado Max Maciel ressaltou a necessidade de controle.
“Temos que ter controle. É fundamental ter controle sobre o abastecimento, pneu, manutenção. Não dá para achar razoável que concessionárias que exploraram o serviço por dez anos não tenham feito a renovação da frota. Inclusive o custo é pago por nós. Tem que chamar o empresariado para a qualidade da prestação o serviço”, finalizou o parlamentar.
Francisco Espínola - Agência CLDF
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