Morador de Ceilândia, Samuel Henrique é um dos protagonistas da maior cena de superação do longa, focado no poder revolucionário da dança
Hugo Barreto/Metropeles
Quarenta e quatro segundos. Esse é o tempo em cena de Samuel Henrique, mais conhecido como Samuka, em Dançarina Imperfeita, filme recém-lançado da Netflix. “Os segundos mais preciosos da minha vida”, orgulha-se o ceilandense, que teve a perna amputada aos 14 anos em decorrência de um câncer.
Apesar de breve, a participação na produção da gigante do streaming teve um impacto significativo na trajetória do brasiliense, que encontrou no hip-hop uma válvula de escape para lidar com a deficiência. “O convite para participar do filme veio em meados do ano passado e me trouxe um reconhecimento importante. Foi apenas um dia de gravação, no Canadá, mas a experiência foi indescritível”, declara.
Cartaz do filme Dançarina Imperfeita (Work It, em inglês) Divulgação
O ceilandense Samuel Henrique faz parte do grupo internacional de dançarinos com deficiência ILL-AbilitiesHugo Barreto/Metrópoles
A visibilidade nos campeonatos rendeu ao jovem de 23 anos uma ponta em novo filme da NetflixHugo Barreto/Metrópoles
Ele já viajou mais de 20 países para participar de competições de hip-hopHugo Barreto/Metrópoles
"A cena que participo é curta, mas a experiência que tive levarei para o resto da vida", declara o brasiliense Hugo Barreto/Metrópoles
Cartaz do filme Dançarina Imperfeita (Work It, em inglês) Divulgação
O ceilandense Samuel Henrique faz parte do grupo internacional de dançarinos com deficiência ILL-AbilitiesHugo Barreto/Metrópoles
Samuka, atualmente com 23 anos, é uma das estrelas da cena mais emblemática do longa, focado no poder revolucionário da dança. “Para motivar um amigo a participar de uma desafiadora competição em equipe, a protagonista, Sabrina Carpentero, o leva para assistir uma performance minha e de outro parceiro com deficiência”, conta.
“A nossa garra de vencer as adversidades e realizar os movimentos enche o personagem de força. A mensagem entremeada na cena é muito bonita”, exclama.
Diagnóstico e conexão com a dançaFILME
O jovem tinha apenas 10 anos quando descobriu o câncer no fémur que resultaria na amputação de um de seus membros. “A doença foi descoberta no pior dos cenários. Meu pai havia falecido em um acidente de trânsito há pouquíssimo tempo e, na mesma época, meu irmão caçula foi diagnosticado com insuficiência renal”, lembra.
Foi a positividade da mãe, a pensionista Edilene da Silveira, e a paixão pela dança que o impediram de entrar em uma depressão profunda. “Perder a perna direita quatro anos depois da descoberta do câncer e naquela situação em que a minha família se encontrava me afetou drasticamente. Foi a minha rocha [maneira como se refere à mãe] e o incentivo dos meus amigos para entrar no breakdance [estilo de dança mais popular do hip-hop] que me salvaram”, recorda.
A amputação da perna direita não impediu o brasiliense de se tornar um dançarino internacionalmente conhecido
A admiração pela arte já existia. O breakdance, criado em 1970 em Nova York, nos Estados Unidos, e outras danças de rua são fortes em Ceilândia, casa do jovem e a maior região administrativa do Distrito Federal. Os primeiros passos realmente dedicados dele, no entanto, só foram arriscados depois da amputação. “Fui aprendendo com colegas e professores alguns movimentos e os adaptando para o meu corpo. Aos poucos, me apaixonei. Hoje, estou curado do câncer e chamo a dança de profissão”, revela.
Com mais consciência corporal, ele também enveredou para outras atividades físicas, como o basquete. “Cheguei a ganhar competições com o esporte, mas meu coração pertence mesmo à dança”.
Passaporte carimbado
O b-boy, maneira como dançarinos de breakdance são chamados, demonstrou habilidade nata para o hip-hop e rapidamente conquistou uma vaga no disputado grupo DF Zulu Breakers, um dos mais prestigiados do Centro-Oeste. Depois, para alçar voos ainda maiores, ele entrou para a equipe internacional ILL-Abilities.
“Com o time global, tive a oportunidade de conhecer o mundo. Já viajei para mais de 20 países representando a equipe, composta apenas por deficientes físicos”, relata.
Entre as cidades visitadas, estão Paris, na França; Tóquio, no Japão; Dubai, nos Emirados Árabes Unidos; e Seul, na Coréia do Sul. Nos tours, Samuka participa de campeonatos e eventos.
“Foi durante uma dessas viagens, inclusive, que o líder da ILL-Abilities, Luca Patuelli, recebeu o convite da Netflix e me escalou para participar da produção junto com ele. Estávamos na Inglaterra e voamos direto para o Canadá, onde o longa foi rodado. Ele é o parceiro com deficiência que aparece ao meu lado no filme”, acrescenta.
A oportunidade de vestir a camisa do time internacional só pôde ser abraçada graças à ajuda da mãe e do irmão do meio do dançarino, João Victor. “Eles custearam o meu visto e as minhas despesas. Devo tudo a eles”, diz, emocionado. Samuka, aliás, faz questão de mencionar esse parentes nominalmente na matéria. “Uma forma de homenageá-los”.
Agora, com tantas conquistas no currículo, o ceilandense almeja “apenas” continuar encantando o mundo com suas manobras para realizar o sonho da mãe de ter a casa própria. “Zeraria a vida se conquistasse isso. É a minha grande meta”, afirma.
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Dançarino e a mãe, a pensionista Edilene da Silveira
Prótese e participação no programa da Xuxa
O jovem realiza a esmagadora maioria dos movimentos sem a ajuda de muletas. Apesar de ter os equipamentos e até uma prótese em casa, ele prefere dançar livremente.
RECORDTV/REPRODUÇÃOSamuka (à direita da foto) ganhou uma prótese ao participar do programa Xuxa Meneghel, da Record, em 2016
“Ganhei a prótese no programa Xuxa Meneghel, da Record, em 2016, mas ainda não consegui me adaptar a ela. Preciso me dedicar mais à fisioterapia para conseguir isso, e certamente vou”, promete.
A aparição no extinto quadro da apresentadora foi possível após ele e o paraibano Lucas Ferreira, o Perninha (à esquerda da foto), roubarem a cena nas cerimônias de boas-vindas da Paralimpíada do Rio. Pernina também ganhou de Xuxa um equipamento para conseguir se locomover melhor.
Com ou sem prótese, Samuka carrega no peito o orgulho de representar e inspirar os 45 milhões de deficientes brasileiros em programas de TV, filmes e campeonatos mundiais. “Minha missão”, conclui ele, cheio de gás para dar sequência à jornada nos palcos.
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