Espaço dedicado ao acolhimento de idosos, sob administração da Sedes, aposta em oficinas motivadoras que inspiram personagens à margem da sociedade
Agência Brasília |
Aos 69 anos, seu Antônio Bernardo Abreu tem energia de sobra. Mineiro da região da Boa Vista, já fez de tudo na vida. De corretagem de banco a pedreiro, passando por ajudante de padaria, entre outras coisas. Diligente, agora ele dedica o tempo que tem na criação de pisantes de quintal e vasos de cimento, tudo dentro do projeto Jardim da Motivação, da Unidade de Acolhimento aos Idosos em Taguatinga (Unai). Subordinado à Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), o espaço tem como objetivo motivar a convivência e socialização entre pessoas da terceira idade, em total situação de vulnerabilidade, por meio de diversas oficinas criativas.
“Muitos dos nossos acolhidos chegam vítimas do abandono familiar. Em alguns casos, passaram até pela rua, sofrendo maus-tratos. Buscamos minimizar essa sensação de esquecimento, oferecendo, com as oficinas, momentos de distração e de diversão, uma forma de inclusão social”, diz a secretária de Desenvolvimento Social, Mayara Noronha Rocha. “São atividades que estimulam a criatividade dos acolhidos, ajudando-os a sair da rotina, reduzindo as chances de desenvolver algumas doenças, como a depressão”, pondera.
Não duvide da eficiência dos trabalhos manuais realizados na entidade social. Um dos mais divertidos dos 25 senhores que fazem parte do projeto, o pernambucano Nivaldo José do Nascimento, 60 anos, é pura animação. Artesão, carregador de cana em cima de jegue, puxador de boi e… andarilho, ele diz que as oficinas ajudam-no a passar o tempo. E não só isso. “É mais uma coisa que aprendemos”, garante, literalmente, com a mão na massa. Isso porque, pelo menos três dias por semana, ele é voluntário na fabricação de vasos de cimentos. “Não sou de ficar parado, gosto de me sentir útil”, comenta.
Para a psicóloga da instituição, Keila Oliveira, os trabalhos da oficina educativa da Unai ajudam não apenas na recuperação da autoestima e amor próprio dos idosos, lembrando que eles têm direito a um local de qualidade para ficar, como, também, no desenvolvimento das atividades cognitivas como concentração, memória, raciocínio e imaginação.
“São trabalhos que os levam a perceber sua capacidade funcional, fazendo com que se sintam bem na organização de sentimentos e emoções”, destaca. “Muitos são pessoas que não se perdoam por determinados erros que cometeram na vida, foram pais negligentes”, salienta a educadora e gerente do espaço, Ariana Siqueira.
Ninho de conforto
Os serviços de acolhimento oferecidos pela Sedes abarcam diversos atores da sociedade em situações críticas no seu dia a dia. São adolescentes, mulheres, famílias e idosos que, por vários motivos, estavam em situações de penúria, alguns desabrigados ou alojados em moradias provisórias e até migrantes de lugares como Haiti, Venezuela, Bolívia e Índia. Eles encontram, no local, uma espécie de ninho de conforto provisório para recomeçar a vida.
Podem fazer parte do acolhimento, idosos homens com 60 anos ou mais, abrigados por três meses ou o tempo necessário, dependendo dos problemas de saúde que tiverem ou pendências com a Justiça. Ali, além de teto e materiais básicos de saúde, os acolhidos ganham cinco refeições por dias – café, almoço, dois lanches, janta -, e momentos de lazer por meio das oficinas.
“Não podemos colocar essas pessoas vulneráveis na rua, eles ficam aqui até voltar para um lugar onde possam recomeçar a vida por meio de pessoas ligadas à Igreja, amigos ou familiares”, explica Ariana. “Aliás, a grande razão de ser do nosso trabalho é ajudar esses idosos a refazer seus vínculos familiares, promover um novo começo para eles por meio de alguma rede de apoio, onde possam seguir a vida, sem depender da ajuda do Estado para sempre”, conclui.
Formado por servidores públicos da Assistência Social, o corpo técnico da Unidade de Acolhimento aos Idosos de Taguatinga é dividido em áreas administrativas e profissionais da saúde, como psicólogos e agentes sociais que trabalham em regime de plantão, ou seja, 24h por dia, além de educadores, entre elas Karla Cíntia Lourenço, desde 2009 trabalhando com a população em situação de rua no DF.
Podem fazer parte do acolhimento, idosos homens com 60 anos ou mais, abrigados por três meses ou o tempo necessário, dependendo dos problemas de saúde que tiverem ou pendências com a Justiça.
“Quando fui fazer o concurso, na hora de preencher as áreas específicas, ao invés de colocar artes, risquei educação de rua, e passei”, conta. “Daí, fiz parte de uma equipe muito massa de abordagem que ajudou a criar o Centro POP de Taguatinga”, lembra, referindo-se ao Centro de Referência para a População em Situação de Rua, em Taguatinga Norte, ao lado da Unidade de Atendimentos aos Idosos (Unai).
Com o tempo, a vontade de Karla trabalhar atividades artísticas nas ações sociais da Unidade se transformou em projetos lúdicos de grande eficiência terapêutica. “A arte tem esse poder, usando essa metodologia a gente acaba despertando o lado mais humano das pessoas”, avalia. “Uso muito no meu trabalho essa questão da poética para trabalhar o lado mais humano dessas pessoas, projetos focados na superação do indivíduo. É um trabalho muito gratificante”, conta.
Tem funcionado. Sobretudo porque o método ajudou a despertar nos idosos habilidades que muitos desconheciam ter, como é o caso do ex-garimpeiro paranaense Cícero do Nascimento, 65 anos, que aprendeu a fazer lindos pisantes de pedra usados, inclusive, no próprio espaço.
“É uma distração gostosa, já fui pedreiro, trabalhei muito em obra, mas isso não sabia fazer não”, confessa ele, há sete meses no DF. “Essas pessoas estão aqui não porque elas querem, não é uma motivação, mais um último recurso e a nossa missão é fazê-las encontrar uma nova perspectiva para o futuro”, observa a gerente Ariana.
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