Pesquisa mostra que a igualdade de gênero está longe de ser uma realidade no Brasil

Muito se fala em igualdade de gênero, valorização da mulher no mercado de trabalho e ascensão feminina em carreiras antes consideradas masculinas. Apesar das conquistas dos últimos 50 anos, pesquisa inédita realizada pela Ipsos – terceira maior empresa de pesquisa do mundo – revela que as mulheres ainda se queixam de assédio no ambiente de trabalho, desigualdade salarial, melhores oportunidades de emprego para os homens e dificuldade para receber proposta de crescimento na carreira.

O que chama a atenção no estudo é que, no Brasil, 36% das mulheres entrevistadas já sofreram algum tipo de assédio no trabalho. Nos Estados Unidos, esse número é de 37% e, na Itália, cai para 16%. Entretanto, o levantamento aponta que poucas mulheres teriam coragem de relatar o caso. Apenas 10% das brasileiras, 23% das americanas e 13% das italianas denunciariam o assédio.

No Brasil, 74% das mulheres afirmaram que ter uma família não afeta a carreira profissional. Porém, 52% acreditam que os homens têm acesso a melhores empregos do que elas, e 43% informaram que o maior desafio é a equivalência de remuneração com os homens. Além disso, 48% das mulheres acreditam que os homens têm maior possibilidade de crescimento na carreira profissional do que elas.

Filhos

“Essa pesquisa mostra que mais de 70% das mulheres desejam ter filhos, constituir família, mas não querem que isso seja visto pela sociedade como impedimento em suas carreiras. Quando mais da metade das entrevistadas afirmam que os homens têm mais facilidade para conseguir um emprego e serem promovidos isso significa que elas reconhecem que ter uma família pesa muito e torna as oportunidades mais difíceis de serem alcançadas”, explica Dorival Mata-Machado, diretor do Departamento de Opinião Pública da Ipsos no Brasil.

Segundo ele, boa parte das empresas ainda hesitam em contratar mulheres que têm filhos. “Em uma entrevista de emprego, a mulher sempre é questionada se pretendeengravidar nos próximos anos. Se a resposta for sim, a chance de ela ser contratada é praticamente nula. Por causa disso, grande parte das mulheres omite seus verdadeiros desejos. É uma desigualdade que existe, mas é mascarada pelas empresas”, afirma.

De acordo com Mata-Machado, ainda há desigualdade salarial entre homens e mulheres em alguns locais: “Às vezes, a mulher é melhor qualificada, desenvolve a mesma função que o homem, mas ganha menos e quase nunca é promovida. É preciso mudar essa situação, garantir que o acesso ao trabalho seja igual para ambos”.

Para o diretor da Ipsos no Brasil, a presença da mulher no mercado de trabalho evoluiu muito nas últimas décadas. Porém, a desigualdade de gênero ainda é muito presente nas empresas. Para mudar isso, é necessário que o tema seja debatido pela sociedade e que sejam criadas políticas públicas para promover a igualdade de gênero.

A pesquisa foi realizada com cerca de 500 mulheres em 19 países, totalizando 9,5 mil entrevistadas entre 16 e 64 anos.

Salário mais baixo e sem promoção

Francisca Borges, de 39 anos, é operadora de máquinas e explica que a empresa em que trabalha não promove mulheres para cargos de supervisão nem aceita atestados de comparecimento. 

“Tenho quatro filhos, e um deles é cardíaco. Quando ele vai consultar, só tem eu para levá-lo ao médico e, nesse caso, só dão atestado de comparecimento. Mas o problema é que a empresa coloca falta se apresentar esse tipo de atestado. Parece que tudo para as mulheres é mais difícil”, lamenta.

Apesar das dificuldades enfrentadas no dia a dia, a operadora de máquinas diz que não se arrepende de ter tido seus filhos e que é preciso que as empresas vejam a mulher da mesma maneira que enxergam o homem. “Nós temos a mesma capacidade dos homens. Precisamos ser valorizadas no ambiente de trabalho”, defende.

Assédio e salário reduzido

A auxiliar de serviços gerais Ranielle Pereira, 21 anos, está dentro do percentual da pesquisa que fala das mulheres que sofreram algum tipo de assédio no trabalho e se omitiram. Ela explicou que passou muito tempo à procura de um emprego e, quando conseguiu, foi assediada. 

“Eu deixei quieto. Preferi ficar calada, pois demorei para conseguir ser contratada. De repente, se eu fosse contar o que aconteceu para a chefia, eles iam querer me demitir”, revela a auxiliar.

A cobradora de ônibus Sônia Caetano, de 46 anos, executa a mesma função de vários colegas, mas recebe um salário menor. “Eu ganho quase metade do valor dos cobradores homens. A empresa não explica o porquê de o meu salário ser bem menor, mas essa é a realidade. Lá existe a possibilidade de crescimento, porém, o salário é desigual. Acho isso muito injusto comigo e com as minhas colegas, pois o serviço é o mesmo”, avalia Sônia. 

Para ela, ainda é preciso mudar muita coisa para que as mulheres sejam realmente tratadas de maneira igualitária no mercado de trabalho.

Contrato só com cirurgia de laqueadura

A varredora Célia dos Santos, 36 anos, diz que nunca foi vítima de assédio. Mas, assim que foi contratada, há cerca de cinco anos, ganhava menos que os colegas homens. “Agora igualaram os salários. A situação melhorou um pouco. Mas só os homens que são promovidos na empresa”, afirma. Célia disse que concorda com a pesquisa e que os filhos não atrapalham nem impedem a mulher de trabalhar e revela que já ficou um bom tempo sem conseguir emprego por causa da família.

“Quando meus filhos eram pequenos, fiquei desempregada por mais de um ano. Em todas as entrevistas que fazia, quando eu dizia que tinha crianças em casa, ficavam de ligar depois e nunca davam retorno. Ainda existe muito preconceito contra nós, mulheres. Até hoje há empresas que só contratam se a mulher tiver feito a cirurgia de laqueadura. Eu mesma já trabalhei em uma assim”, relata.

Herança patriarcal e machista

A presidente do Conselho dos Direitos da Mulher no DF, Lucia Bessa, considera os números apontados gravíssimos. “Eles revelam que ainda vivemos a herança da sociedade patriarcal e machista, e pagamos alto por isso. Ocupamos menos cargos de chefia, recebemos 30% menos que os homens na mesma função e, quando há cortes, somos as primeiras a serem inseridas na lista”, lamenta.

Lucia acredita que o governo deveria criar campanhas para incentivar que as mulheres denunciem assédio ou violência. “Se a mulher se sentir segura, ela vai denunciar, mas é preciso que o governo garanta que ela não será punida posteriormente. A mulher não deve se calar e aceitar a cultura de que ao homem tudo é permitido e à mulher tudo deve ser obedecido”, afirma.

Em relação ao preconceito ao contratar mulheres com filhos, Lucia foi taxativa: “O fato de ter família não é sinônimo de impossibilidade e de que somos inapropriadas para exercer alguma função. Tem que haver igualdade, com salários e responsabilidades iguais”, critica. 

Lucia informou que, em caso de assédio (sexual ou moral), a mulher deve registrar boletim de ocorrência na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam). Em relação à desigualdade salarial, ela pode entrar com ação judicial trabalhista para equiparar os salários.

Ponto de vista

Tânia Fontenele, pesquisadora e especialista em gênero, coordenadora do Instituto da Pesquisa Aplicada da Mulher (Ipam), ressalta que as mulheres conseguiram conquistar vários direitos e avançaram muito no ambiente de trabalho. Porém, se optam por ter uma carreira profissional e uma família, sempre ficam sobrecarregadas.

“A sociedade ainda é um pouco machista. Mas, se a mulher for competente e tiver boa qualificação, conseguirá conquistar seu espaço no mercado. Mas, sem sombra de dúvida, quando a mulher decide ter família e continuar com sua carreira, ela ficará sobrecarregada. Isso acontece porque a maior parte do serviço doméstico e dos compromissos com os filhos fica para a mulher. Porém, isso não é impedimento para executar todas as funções com qualidade”, avalia.

De acordo com a especialista, algumas carreiras consideradas masculinas ainda pagam salários menores para mulheres. “É ilegal, mas acontece. As políticas públicas para debater a igualdade de gênero existem, a sociedade está mais alerta, mas é importante que a mulher denuncie essa prática. Não é fácil, pois existe o medo de perder o emprego, mas é preciso ter coragem para que as mudanças ocorram”, explica.

Segundo Tânia, mudanças sociais são lentas, e o comportamento das pessoas no futuro depende da educação recebida em casa. “Se a criança é criada em um ambiente em que a mãe coloca o menino e a menina para fazerem a mesma coisa, o menino não será machista quando crescer nem a menina submissa”, assegura a especialista.

Saiba mais

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou proposta que modifica o Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40) para incluir a hipótese de crime de assédio sexual envolvendo pessoas do mesmo nível hierárquico, cuja pena será de detenção de seis meses a um ano. A medida está prevista no projeto PL 509/15, do deputado Major Olimpio Gomes (PMB-SP), que recebeu parecer favorável do relator, deputado Capitão Augusto (PR-SP).

Hoje esse crime é caracterizado apenas quando o constrangimento sexual parte do superior hierárquico em relação ao subordinado, não abrangendo os casos de assédio que ocorrem entre subordinados. O texto aprovado mantém a pena prevista na lei atual para o assédio sexual incitado pela vantagem hierárquica sobre a vítima, que varia de dois a seis anos de reclusão. A proposta será agora apreciada pelo Plenário da Câmara.


Fonte: Da redação do Jornal de Brasília